Subclássicos: THIS HEAT — Deceit (1981)
Discoteca Básica de noise-rock, metal extremo, post-rock, noise, experimental e outras tags subterrâneas
Lançado em 1981, no auge das tensões nucleares da Guerra Fria, Deceit é o segundo e derradeiro álbum do This Heat, trio inglês que operava como laboratório de colagem sonora, política e paranoia, muito à frente do seu tempo e quase sempre esquecido nas narrativas tradicionais sobre o post-punk.
Gravado em um estúdio caseiro instalado num antigo frigorífico em Brixton, Deceit reúne faixas criadas a partir de trechos de ideias e gravações improvisadas, várias delas alternando takes no meio da própria música. A temática gira em torno da paranoia nuclear daquela época, enquanto a sonoridade é tensa, textural, feita de camadas de bateria tribal, guitarras cortantes e vozes sobrepostas como se fossem espectros discursando de bunkers diferentes. A abordagem seguia a linha de experimentalistas como Can e Faust, mas ao invés de levar o ouvinte a um transe hipnótico, o objetivo era acordá-lo quase a bofetadas.
O álbum abre com “Sleep”, uma espécie de canto de ninar sobre o fim do mundo, e logo se transforma em “Paper Hats”, com seu ritmo quebrado, riffs dissonantes, mudanças de arranjo e vocais alternando entre um cântico religioso e berros desesperados. “S.P.Q.R.” é tensa e urgente, como um The Clash sob constante ameaça. “Cenotaph” é uma espécie de progressivo indie, de onde bandas como Black Midi e Black Country New Road certamente anotaram algumas ideias. “Radio Prague” é um experimento eletrônico à la Throbbing Gristle, na linha do que a banda já fazia na estreia This Heat (1979). “Makeshift Swahili” é um proto-noise-rock, onde a música parece cambalear entre uma dança e uma crise nervosa. “A New Kind of Water” soa como um cruzamento entre The Residents e Slint. Cada canção parece capturar um momento de instabilidade, e então se dissolve antes que o ouvinte se sinta confortável. Nada dura tempo demais, nada é resolvido.
Deceit, como esperado, passou quase despercebido. Era experimental demais para o punk, político demais para a cena industrial, cerebral demais para o pop e orgânico demais para a música eletrônica. Mas é justamente desse espaço liminal que vem sua força. Décadas depois, bandas como Radiohead, Animal Collective, Liars e Black Midi reconhecem sua influência, talvez não em termos sonoros mas na forma de lidar com tempo, ruído, estruturas e traumas.
A banda acabaria logo após o lançamento do álbum, voltando para shows esporádicos entre 2016 e 2019 sob o nome This Is Not This Heat. Mesmo sendo um artefato dos anos 80, Deceit continua atual como nunca. O álbum falava a um mundo antes do colapso da URSS, antes do 11 de setembro, antes da crise climática e digital. E também fala diretamente ao agora, com o medo, o cinismo, o ódio e o caos se intensificando. Ouvir Deceit hoje é como encontrar um diário premonitório enterrado sob escombros, interrompido no meio de uma frase.
Ouve essa aqui: “Paper Hats”
THIS HEAT — Deceit
Lançamento: set/1981
Selo: Rough Trade
Tags: #post-punk, #experimental
Produção: This Heat, David Cunningham
Subsensor é editado por Elson Barbosa.
Elson Barbosa é editor do Subsensor, produtor do selo Sinewave e baixista da banda Herod. Foi apresentador do podcast O Resto É Ruído, criador da plataforma de playlists comentadas contra.fm onde produziu os programas Noisenik, T20, Sinewave e Discografando, apresentador dos programas de rádio Noisenik na Antena Zero e Barulho na Rádio USP São Carlos, colaborador da #ListadasListas, editor do blog de playlists Discografando e colaborador bissexto em diversos sites de música.