Subclássicos: WALTER FRANCO — Ou Não (1973)
Discoteca Básica de noise-rock, metal extremo, post-rock, noise, experimental e outras tags subterrâneas
Quando WALTER FRANCO lançou Ou Não, seu álbum de estreia em 1973, o Brasil vivia o auge da repressão do regime militar. A Tropicália havia sido desarticulada pela censura e pelo exílio, e o rock brasileiro buscava ainda um novo lugar entre o protesto e a introspecção. Franco, o “maldito” como ficou conhecido, já havia chocado o público defendendo “Cabeça”, uma peça vanguardista atonal, no Festival Internacional da Canção de 1972. Mas “Cabeça” era só o começo — todo o seu álbum de estreia leva essa estética anti-comercial ao extremo, expandindo os limites do que a música brasileira da época assimilava como “canção”.
Diferente do experimentalismo colorido da Tropicália, Ou Não é um mergulho mais frio e cerebral. Se Caetano, Gil e os Mutantes haviam desorganizado a linguagem para ampliar seus horizontes, Franco a desintegra completamente. Suas letras próximas da poesia concreta, e sua construção rítmica marcada pela repetição de fonemas e pela pausa, aproximam o álbum de experiências do minimalismo de Steve Reich, da vanguarda de Frank Zappa, da psicodelia de Syd Barrett — a própria mosca da capa referencia quase diretamente os insetos de Barrett (1970) — e da desconstrução sonora de contemporâneos alemães como Faust e Can. Não é por acaso que Franco é o único artista brasileiro citado na famosa Nurse With Wound List em 1979 — seu trabalho era avant-garde na própria concepção do termo.
Porém, mesmo investindo em um trabalho hermético e de difícil compreensão, há algo essencialmente brasileiro nessa loucura controlada: o humor, o jogo de palavras, a ironia sutil, o modo como Franco transforma a desconstrução em método. “Misturação” é um folk setentista que poderia virar hit se não fossem as vocalizações estranhíssimas no final, como se Franco estivesse tendo um ataque. “No Fundo do Poço” é uma peça concretista cantada em fonemas avulsos com um trilha levemente fúnebre de fundo — dá pra imaginar Arnaldo Antunes estudando a faixa com um caderno de anotações ao lado. “Xaxados e Perdidos” é um xaxado (claro) interrompido por um trecho dark ambient que antecipa o Lustmord em uma década. A própria “Cabeça” é uma colagem amedrontadora de vozes desconexas lembrando um pesadelo kafkiano.
Com o passar do tempo Ou Não e seu sucessor Revolver (1975) foram ganhando status de obras cult, influenciando gerações que veriam no seu experimentalismo uma trilha possível fora da MPB ou mesmo do rock convencional. Nos anos 1980 e 1990, artistas como Arrigo Barnabé, Itamar Assumpção, Grupo Rumo e Titãs beberam dessa fonte de desconstrução linguística e sonora. Mais tarde, músicos do manguebeat e do indie experimental brasileiro — de Otto e Céu à toda a cena em torno do Metá Metá — resgataram o espírito livre e desobediente de Franco.
Hoje, o álbum soa menos como um produto dos anos 70 e mais como um manifesto atemporal, refletindo o Brasil como reconstrução da sua própria identidade. Ou Não é nesse sentido um dos discos mais radicais da MPB, um trabalho que parece perguntar o tempo todo se ainda é possível cantar em meio ao absurdo. E talvez no final a resposta esteja no próprio título.
Ouve essa aqui: “Cabeça”
WALTER FRANCO — Ou Não
Lançamento: 1973
Selo: Continental
Tags: #experimental, #avant-garde, #mpb, #psych-folk
Produção: Walter Franco, Rogério Duprat
Subsensor é editado por Elson Barbosa.
Elson Barbosa é editor do Subsensor, produtor do selo Sinewave e baixista da banda Herod. Foi apresentador do podcast O Resto É Ruído, criador da plataforma de playlists comentadas contra.fm onde produziu os programas Noisenik, T20, Sinewave e Discografando, apresentador dos programas de rádio Noisenik na Antena Zero e Barulho na Rádio USP São Carlos, colaborador da #ListadasListas, editor do blog de playlists Discografando e colaborador bissexto em diversos sites de música.




Excelente texto. Uma coisa que é pouco comentada a respeito do Ou Não é que o primeiro álbum de Baiano e Os Novos Caetanos fazia uma paródia dele na contracapa original (toda branca, com um "e...?" no meio, só não tinha a mosca).
https://www.discogs.com/master/545833-Baiano-Os-Novos-Caetanos-Baiano-Os-Novos-Caetanos/image/SW1hZ2U6MjkzOTEwMzQ=
pelo que lembro, o Revolver é mais “formatado” pro mercado né?
Tô escrevendo uma modesta trilogia sobre Olho Seco e Brigada do Ódio, 2 outros artistas subestimadaços e pioneiríssimos. Acompanha a minha news se interessar! Vc eh uma puta ref, abs!